A CHAVE DO MUNDO
Um dia ele a encontrou e começou o namoro. Foi um encontro diferente. Quase um acidente.
Ela estava com vontade de fazer xixi e não tinha onde. Ele estava na porta da sua casinha, uma casinha pequena mesmo, tão pequena que o banheiro era bem perto da sala – que já era cozinha – e nele não havia porta. Então a alternativa era ele oferecer a chave a ela(ele estava na porta em vias de sair de casa) e ficar aguardando do lado de fora de sua casa, a moça fazer aquela necessidade básica. Uma chave bonita, melhor dizendo, o chaveiro dava a boniteza da chave. Mas ela não se ligava nisso naquele momento, pois a vontade de fazer xixi era do tamanho do mundo. E fez.
Passada a vontade do tamanho do mundo, eles conversaram, se conheceram e logo o namoro veio acompanhando outras vontades.
Casaram-se naquelas condições e ela veio morar na casinha, um universo dividido e compartilhado que crescera de repente tanto era o infinito amor. Agora eram dois a cuidar das coisas, da casa e dos sonhos.
Nos dias medonhos da rotina que agoniza a alma, eles viviam. Essa coisa de família sem futuro. Daqui de longe, olhando assim parece que eles viveriam para sempre.
O trabalho dele, de agente de cobrança ia bem, mas desmoronou quando chegou em casa e não encontrou a sua mulher, nem a geladeira nem a TV nem o liquidificador, nem o som, nem a chave. Ficou na rua.
Ele chorou e o primeiro sentimento foi de raiva e o segundo não foi sentimento, mas pensamento de matá-la ou suicidar-se. Das duas uma, que as duas talvez ao mesmo tempo fosse difícil para o peso do mundo e fácil demais para os jornais de sangue, dito populares.
No fim do sentimento e do pensamento ele concluiu que queria a chave. A chave de sua alma, a chave de sua casa, a chave de sua vida. Aquele pequeno objeto que abrira a porta daquele amor traído; uma casa de única porta que não a do banheiro; uma traição por subtração de outros objetos que não a chave nem o amor. Um gesto fugidio sabe-se para onde e por que.
Mas apenas a chave agora lhe bastava para abrir outro mundo, temeroso que estava, de se aprisionar no ódio e na solidão que devora. A chave não somente para abrir a porta da casa, mas para abrir outras tantas portas, sendo a principal dela, aquela porta da loucura que o tentava consumir.
Ele fez chegar até ela – pelo rádio – o seu apelo.
Quando a chave veio, o fogo havia inundado a casa e o prisioneiro havia fugido para um mundo onde nenhuma porta se fecha e nada tem significância.
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