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IV Semana de Arte divulga manifesto hoje e dá o tom das ações culturais no extremo sul da Bahia

Hoje inicia oficialmente, ás 19h30, a IV Semana de Arte e Cultura Popular de Eunápolis. E  será lido, junto aos convidados, o Manifesto feito Cultural dirigido à cidade.

Publicamos aqui integralmente o Manifesto:

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PARA FORTALECER LAÇOS DE COMUNIDADE

Boa noite senhoras, senhores,

Estamos iniciando a IV Semana de Arte e Cultura Popular de Eunápolis. Por que a quarta semana?  Porque é a retomada do projeto original do Viola de Bolso, que se iniciou em 1991 e tantas vezes foi interrompido pela falta de apoio dos poderes públicos, e de vários setores da economia que não acreditam na força da cultura e do seu potencial para o desenvolvimento de uma cidade.  Entre a primeira semana de arte e esta que ora se inicia, tivemos alguns hiatos, mas que não se perdeu na memória. Os anos 1991, 1993 e 2004 fizeram a diferença na ação cultural da cidade. Curiosamente, foram períodos de mudanças no perfil da cidade: os cinemas fecharam as portas; o clube social foi demolido; novos bairros surgiram, re-configurando o espaço territorial do município. Por que de arte e cultura popular? Porque acreditamos no saber popular e na riqueza das culturas gestadas pelas comunidades, pelo artesão, pelo rezador, pelo pintor, pela mãe de santo, pelo repentista, o escritor, Griô, todos, guardiões dos mistérios da arte que inspiram a história e transformam realidades.

O poeta disse que a poesia é tudo aquilo que nos faz ser um ser vivo, buscando ser um ser livre, pra não ser mais um cativo; como um tiro de fé buscando o claro no escuro. Eis a razão e a dês-razão de fazer arte. Ser vivo e ser livre.

Nas últimas décadas vimos Eunápolis crescer em todos os aspectos, em contingente humano, em moradias, em ruas, lojas e bares. Nos assustamos com tanta  violência, nos acostumamos com a pobreza e nos acomodamos ante à  falta de estruturas mínimas para o cidadão viver bem.

A economia – como em todo o sistema capitalista – baseada na competição desigual e na concentração de renda de uns poucos, usa a imagem e a propaganda para nos fazer crer que as coisas melhoraram. Ledo engano. É certo que políticas sociais amenizaram a situação de pobreza de parte da população do País nesta década, mas de modo em geral os sujeitos sociais estão refém de programas de assistência e fragilizados em suas organizações comunitárias. Os movimentos sociais ainda buscam respostas para a sua perplexidade e os partidos políticos perderam o sentido de serem vetores e parte das mudanças que o Brasil precisa. Do ponto de vista individual, pode ser que o cidadão perceba alguns avanços – o acesso a internet ou a telefonia celular, por exemplo –, mas o que isso tem a ver com a melhoria coletiva do mundo, das sociedades estruturadas dignamente, do equilíbrio ambiental e da justiça social? Ou seja, do ponto de vista coletivo, do bem comum, de projeto de sociedade, temos muito que avança e lutar.

Em nossa casa, nossa cidade a situação não é diferente.

A lógica do crescimento e do desenvolvimento não leva em consideração a qualidade e o fortalecimento dos saberes coletivos, como qualidade de vida. A ilusão do crescimento e do poder econômico de uma minoria se apresenta como o crescimento de todos. Mas não é bem assim. Naqueles que modelam o desenvolvimento na lógica do capital, não existe de fato uma consciência e sensibilidade para se construir um mundo melhor. E naqueles que são modelados pelo sistema ou aprisionados mentalmente, falta um ato de superação e rompimento ideológico. Entre o que se faz e o que é dito, existe uma enorme distancia. Isso é o desequilíbrio. Como pode uma economia ter sentido, quando vemos no comércio uma loja nova abrir as portas enquanto três se fecham?

Como pode um desenvolvimento se dizer sustentável, quando vemos a cidade invadida por urubus, passarinhos, fugindo da fome e da seca do deserto verde? O desequilíbrio não está só no campo; está nos bairros, nas ruas, nas escolas, nas igrejas e nos hospitais. É a crise da modernidade eunapolitana: trânsito caótico, prioridade aos carros do que aos cidadãos; transporte coletivo sucateado; falta de saneamento básico e cada vez mais gente chegando em busca do El dourado prometido.

Acreditamos no papel criativo da cultura; no papel que cumpre junto à educação, para o fortalecimento da cidadania e da consciência política, do fazer digno do trabalho, do amor e da liberdade.

Estamos em um tempo e contexto em que o estado nacional ampliou o seu entendimento sobre os direitos do cidadão, esboçou uma democracia participativa, mas ao mesmo tempo domina os meios de comunicação em defesa dos interesses dos grandes grupos econômicos, propaga o consumismo e é indiferente à violência contra os jovens. Mesmo assim, percebendo tais contradições, prosseguimos lutando para que as políticas públicas se efetivem.

No caso da Cultura, precisamos ampliar o acesso aos recursos públicos e para isso devemos criar os mecanismos de transparência e fiscalização. O Fundo de Cultura tem que estar a serviço dos grupos culturais e de seus artistas e não como fundo de reserva para festa de entretenimentos fúteis. Os Conselhos de Cultura devem funcionar não como ninchos de privilegiados e usados para legitimar programas banais que não fazem nem tem o interesse de fazer mudanças no comportamento e nas realidades da cidade. A educação escolar e o programa “Mais escola” não podem ficar na superficialidade dos saberes, tem que criar as condições do pensamento livre e ter a capacidade de aprofundamento necessário sintonizando o aprendizado com a realidade vivenciada, falar da história local e vê as suas contradições afloradas. Os Planos municipal, estadual e nacional de cultura serão a salvaguarda dos programas públicos de cultura, tudo estabelecido no Sistema Nacional de Cultura.

Vale lembrar que em setembro teremos uma II Conferencia Municipal de Cultura e ainda não conseguimos tocar na parte mais terna das propostas, quanto mais nas questões agudas e desafiadoras da I Conferencia ano passado. Daquela primeira conferencia até hoje, afirmamos sem nenhuma presunção que nós sim, cumprimos o papel do que nos propomos realizar e estamos a postos para encarar as discussões seguintes.

Para a II Conferencia vamos defender a criação de um novo conselho municipal de cultura escolhido, formado e referendado ali na hora, que vai inaugurar um novo tempo para a ação cultural em Eunápolis. Além disso, defenderemos – como defendemos agora – a criação da lei cultura viva municipal, para que se estabeleça política pública de estado, rompendo assim com o circulo vicioso dos apoios culturais sob a sombra de interesses e de métodos de submissão. É preciso que o poder público municipal – seja  em qualquer governo – tenha consciência da importância das políticas culturais e cumpra com as suas responsabilidades. Não estamos tristes pela falta de apoio direto dessa atual administração municipal, porém lamentamos a indiferença. Graças a esforços individuais, pudemos garantir um apoio da Secretaria de Educação, com quem temos tentado parcerias e comungado das mesmas dificuldades quando é para a realização de um evento.

Porém, longe de ser essa a nossa preocupação, na verdade nos colocamos a serviço da comunidade e a partir dela apuramos a nossa sensibilidade e o sentido que rega o nosso fazer artístico. Essa premissa alimenta a nossa busca pela autonomia.

Acreditamos no papel da arte como mecanismo de compartilhamento dos saberes e aprendizado mútuo; de cidadania e exercício critico.

Pensar e atuar no mundo, a partir da percepção da realidade local, materializando o sonho, a utopia de um mundo melhor, advindo do entrelaçamento de idéias e esperanças. Nesta crença, realizaremos esta IV Semana de Arte, de mãos dadas com as pequenas comunidades, grandes em sua sabedoria, seu tempo e seu equilíbrio.

Eunápolis, 15 de agosto, finzinho de inverno de 2011.

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