ROUBARAM-NOS O CARNAVAL
Lembro quando no tempo de infância, correndo dos blocos das caretas; lembro o tempo de criança do som dos bailes de carnavais, locais ainda proibidos pra gente miúda como eu. Vi a chegada das charangas e do Trio com aquelas cornetas barulhentas e fartamente iluminadas: na parte de cima um naipe de sopros, na parte de baixo os sons percussivos, na verdade caixas, repiques e surdos. O cantor não detinha o principal lugar. Aliás, não havia destaque de ‘principal artista’ nem mulher nua. Com um conjunto de bons músicos, o trio elétrico invadiu as cidades de sons e magia. E os blocos de caretas, cabloquinhos e grupos de samba animavam as ruas, embalando os foliões.
Parece um tempo distante, mas não é. Parece um relato de algo que já se foi. Ledo engano.
São memórias e traços culturais ainda existentes em muitas cidades do Brasil e da Bahia. E muitas cidades em que os seus moradores nem sabem exatamente porque essas expressões e manifestações culturais sucumbiram ao tempo, com se assim fosse a trajetória histórica das coisas, dos bens culturais, divididos entre o antigo e o moderno.
Fruto do progresso impositivo, a ideia que para chegar o desenvolvimento é preciso morrer as culturas e dá lugar ao novo, impera na estrutura mental, infelizmente.
Com explicar a resistência que algumas cidades demonstram, conseguindo manter o seu carnaval tradicional, o que explica que até hoje continuem de pé as brincadeiras, caretas, cabloquinhos e blocos nas ruas? As Folias de Reis, A chegança, etc?
É mais fácil explicar – de certo modo – o que aconteceu com as cidades que perderam as tradições culturais, tanto do carnaval quanto de outros folguedos, festividades e celebrações. No caso do carnaval, em cidades do interior da Bahia havia um modo especifico do fazer cultural dos carnavais que não diferenciava muito da capital.
E existe sim, explicações, fenômenos sociais, dados estatísticos que mostram como o desenvolvimento em diferentes regiões da Bahia foi sendo imposto, sua face medonha, num modelo econômico de desenvolvimento que desestruturou culturas, definiu espaços os geograficamente ricos para atender ricos e os espaços socialmente excludentes, para apartar gente. Feito isso, leiloou às empresas turísticas, empresas de hotelarias, do ramo dos transportes e também da indústria musical e do lixo cultural, as cidades potencialmente lucrativas, investindo altas somas de dinheiro em incrementos de infra estrutura que não tem nada que ver com o atendimento dos cidadãos, moradores dali e sim para atender especificamente aos turistas e as empresas que operam arrancando o dinheiro dos gringos ou permitindo a ocupação de importantes áreas ambientais por projetos de alto impacto socioambiental.
Tudo isso tem relação direta com as dinâmicas culturais da região e que afetou também os nossos carnavais. Tempo que não volta mais.
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