O Viola de Bolso tem novidades. Melhor dizendo, o Viola vai construir novidades. É que parte de sua estrutura de atuação política cultural vai se dividir:

Na praça dr. Gusmão vai ficar o PONTO DE LEITURA, com a Gibiteca Angelo Agostinni enquanto que o Núcleo de Estudos e formação cultural, eventos e vivências, se instalará na Colônia, distrito de Eunápolis. Na colônia, o plano é atender aos jovens e crianças do lugar e do entorno(comunidades do campo e floresta).

A intenção é dialogar, aproximar e conectar com estes núcleos de ação social e cultural presentes, potencializando a perspectiva identitária e de autonomia territorial, diferente do que se constata na praça do gusmão, já que o lugar ficou/foi invadido pelo mercado(proximidade com o centro e com o comércio de bares da avenida norte sul) e, em consequência disso, foi destituído de cotidiano comunitário, tornando-se rota do trânsito pesado da cidade. Mas este não é o motivo dessa mudança em curso, é uma constatação oportuna aqui descrita.

Para o caso da Colônia, os equipamentos culturais pensados, estarão conectados com os 4 eixos de atuação do Viola para os 4 anos, entre 2021 a 2024:

  1. Patrimônio cultural e memória

  2. Ação Griô – Vivências e transmissão dos saberes

  3. Artes e Ludicidade.

  4. Ecologia dos saberes

Em estado de calamidade por conta da Pandemia, ainda é incerto quando será possível retomar as atividades.

É certo que a Gibiteca Agostinni deverá funcionar em primeiro lugar, assim que possível, uma vez que a sua base e estrutura permanece no Gusmão.

O Espaço Cultural do Viola de Bolso na Colônia desenvolverá as atividades de Oficinas de artes, que deverá atender – pela localização geográfica- boa parte das crianças e jovens daquela localidade e seu entorno.

Por que o Viola de Bolso está indo para a Colônia, vão perguntar alguns. A primeira resposta é:

* Vamos ampliar o nosso foco de ação, enfatizando uma proposta que alie o protagonismo, a autonomia e o território, a partir da(auto)valorização e reconhecimento do papel histórico do lugar e de sua contribuição no campo do patrimônio e memória, aliando a formação cultural, autogestão e geração de renda;

A segunda resposta é:

* Estamos “dividindo” os locais, entre o Gusmão e a Colônia, como uma experiência nova, em consequência das circunstancias de saúde coletiva(a pandemia), de condições econômicas impostas pelo capitalismo(as limitações de manutenção de espaços físicos e suas estruturas.

Os anos trilhados:

O Viola de Bolso Arte e memória Cultural nasceu na década de 1980, século passado, época em que construiu uma trajetória de luta cultural, acreditando que a cultura tem papel fundamental nos processos sociais de mudanças(mudanças de estruturas, de comportamentos, de relações humanas, de respeito e de solidariedade), conscientes do fazer histórico naquele contexto de opressão e ditadura(a ditadura no Brasil foi até 1985), depois veio a abertura e em seguida a democracia se instalou em 1988, com a nova Constituição federal; de lá para cá, o Viola foi se ajustando, atualizando-se, modernizando e aglutinando pensamentos e pessoas jovens e idosos nessa caminhada. O bairro dr, Gusmão é a base dessa criação coletiva e a cidade é a principal inspiração do Viola, desde os grupos de cultura populares à época até os coletivos culturais do presente.

Mas foi em 2008(portanto há doze anos) que o Viola de Bolso criou o seu espaço físico de cultura no bairro dr. Gusmão. Nascia ali o Ponto de Cultura do Viola, um lugar de reunir gente de todas as idades e de realizar a prática das artes e dos diálogos culturais com uma intensidade permanente, que pautou uma unidade de beleza e simbolismo, de respeito à diversidade e de incentivo às criações artísticas em todas as diferentes idades e tempos, dos que estiveram e dos que permanecem conosco ao longo dos anos.

O chão em que todos pisávamos era a cidadania e a democracia, a trilha era a possibilidades real de construção das políticas públicas de cultura, com o governo Lula, com Gilberto Gil, com Célio Turino, com a Pedagogia Griô, o Plano Nacional de Cultura, com a Lei Cultura Viva e o Sistema Nacional de Cultura(SNC).

A gente acredita sempre, mesmo percebendo a fragilidade dessa democracia e da finura da política pública de cultura, porque a cultura não foi nem tem sido ainda, prioridade em nenhum dos governos, nem naquele governo ao qual mais nos aproximamos.

Entre 2013 e 2019 o espaço cultural do Viola de Bolso atuou e aglutinou movimentos em torno de suas propostas, de sua luta pela política pública de cultura e pelas manifestações das mais diversas possíveis em seu lugar de encontro e formação, com muita intensidade e encantamento:

As várias edições da Semana de Arte; do projeto Quem tem medo de Poesia; Os encontros musicais(shows e estudos de grupos no local); As vivências culturais com as escolas públicas; a inserção de estagiários e voluntárias; as Oficinas de artes, com destaque para as Rodas de Leitura com o público infantil e o projeto Quati, de Minas a Bahia;

As residências artísticas( Del Zonda; Circo Pé de Cana; Pablo e Marina; Ignácio Matteis, Nasser Gazel), dentre outras frentes de ação, a exemplo das Oficinas de elaboração de projetos culturais, os estudos de pesquisas de jovens estudantes da Uneb Campus XVIII, UFSB e IFBA, a nos incentivar, orgulhar e animar, além de movimentos de rua como o RAPensando, coordenado pelo núcleo local da Nação Hip Hop Brasil e das Feiras no Ponto, ação coletiva de diversas pessoas com a produção artesanal, no âmbito da economia criativa.

Ainda no contexto dos governos democráticos, podemos destacar o projeto da Ação Griô, essa articulação nacional canalizada em nível local, ao qual mobilizamos mais de 50 pessoas nas oficinas com a Pedagogia Griô, evento que deixou um legado de boa experiência e encantamento; Ainda nessa articulação regional, não podemos deixar de mencionar o Encontro das Folias de Reis, um marco na história daqueles grupos populares de tradição do ciclo natalino e um exemplo de cultura viva na cidade, evento que repercute até hoje. O Encontro “Sagrado feminino”, que deixou marcas profundas, de sensibilidade e mensagem para o olhar sobre o mundo de hoje.

No plano municipal o destaque vai para o projeto de caráter estruturante “A cultura tem futuro”, uma proposta de intervenção e planejamento cultural para a cidade, lançada em abril de 2018, enfatizando o papel da cultura, seus princípios de cidadania, criação e diversidade cultural, pautando o poder público municipal para assumir a sua responsabilidade, ao tempo em que o projeto demonstrava as potencialidades de criação cultural, de suporte na legislação nacional, estadual e municipal, favoráveis à gestão local e a cidade, além das possibilidades de geração de renda comunitária bem presentes nas ações propostas. Realizamos atividades de divulgação do projeto(um Seminário foi realizado, vídeos sobre o projeto foram postados nas redes sociais). Ao lançar a proposta de projeto cultural para a cidade(“A cultura tem futuro”), a intenção era de fato comprometer o governo local ou no mínimo deixar registrado na história da cidade, essa iniciativa. Listamos os espaços culturais da cidade, os atores sociais envolvidos em cada um deles, a situação em que se encontrava, as boas iniciativas que mereciam apoio, enfim, sugerimos quando foi possível e denunciamos quando foi necessário, mirando o poder público como principal responsável. As respostas não vieram…

Ali o momento já estava muito difícil no Brasil e o Viola de Bolso se encontrava com muitas dificuldades em manter aberta as portas do espaço cultural, mas resistindo sempre.

Logo depois veio o golpe contra a democracia(impeachment de Dilma), restringindo os direitos sociais, ameaçando as liberdades e questionando o futuro. Deu no que deu, quando o fascismo se instalou de vez no governo central e esparramou assombro e opressão. Mas a palavra de ordem sempre foi e será, resistência cultural.

Quando começou 2019, em nossa primeira conversa de planejamento já havia uma cortina densa de fumaça contra as políticas culturais e contra os movimentos sociais que dialogava mais perto com a cultura. Circulamos o texto “em que ano estamos” anunciando as limitações e fragilidades do movimento cultural e do espaço cultural do Viola de Bolso. Mesmo assim realizamos diversas atividades dentro das linhas de ação planejadas para o ano, em que o projeto “O sumiço do Boi Bumbá” foi a melhor experiência do ano.

A PANDEMIA E OS SEUS IMPACTOS PERVERSOS

Como se não bastasse a desgraça do governo Bolsonaro, logo veio a Pandemia do Covid-19 e em consequência, as outras formas de restrições necessárias e de impactos devastadores.

Escolas e espaços culturais, foram os locais que primeiro e por último, seguem fechados, duas frentes de relações sociais e culturais mais presente no cotidiano das sociedades, das comunidades, das artes, dos saberes e dos diálogos de troca e de aprendizados, de cara, impactados.

Os índices de mortes no país e no mundo causam temor, o descaso do governo brasileiro, também. Como se não bastasse o espectro de dias difíceis que já vinha se desenhando com a eleição do fascista, a pandemia intensificou e abreviou os sofrimentos e a pobreza, lembrando que ainda estamos em meio às situações mais alarmantes e que devem perdurar meses, talvez anos…

A emergência cultural e a sua força para revigorar sanidades é a esperança. Essa é a voz brasileira no seio dos movimentos culturais e sociais, ambos também impactados em sua ação pelo país. A lei Aldir Blanc foi importante para reunir pessoas e movimentos, chamar a atenção para a necessidade de retomada das políticas de cultura, mas não foi eficaz na distribuição dos recursos no momento em que mais se precisava deles, um apoio financeiro crucial para continuar a labuta como estava antes da pandemia. Os relatos pelo país, de artistas, de espaços culturais, de empresas de cultura, que se desintegraram são muitos, outros, mudaram a forma de atuação, aguardam dias melhores e quem sabe alguns projetos com o dinheiro ‘atrasado’ da lei Aldir Blanc. De um modo ou de outro, todos impactados pela pandemia.

E aqui estamos nós, tentando desenhar os planos depois dos planos e sustentar a esperança e a resistência, enquanto o poder segue o seu ofício de morte.

Não é necessário contar em números o quanto fomos e estamos sendo impactados pela pandemia, nem relatar caso a caso. Como esta carta é para os mais próximos, para nós mesmos e para a história do Viola de Bolso, sabemos do que estamos a falar.

Quando veio o decreto federal de calamidade com a pandemia, em março/20, a gente já via a necessidade de suspender as atividades presenciais, justamente logo após termos realizado a aula inaugural, celebrando o dia 08 de março; em seguida ter feito o ato de lançamento do livro de Pinheiros Salles e na semana seguinte, registrar o início das oficinas. Foi quando tivemos que anunciar a paralisação das atividades.

Demorou um mês para passar o susto e a perplexidade diante do que estava acontecendo no mundo e no Brasil. Somente no final de abril tomamos a iniciativa de realizar atividades remotas. De maio a outubro realizamos da forma possível, do jeito que deu, as transmissões ao vivo, chamadas de live. Foi outra experiência importante desenvolvida por muita gente nossa(tem um registro escrito à parte), envolvendo temáticas musicais, literárias e de políticas públicas, com destaque para a invenção do “Observatório da Lei Aldir Blanc para a Costa do Descobrimento.”

As eleições municipais de 2020 não trazem novidades. Por incrível que possa parecer, este não tem sido ainda o lugar de novas narrativas, em que pese as situações de miséria e de incertezas nas comunidades desorganizadas, nos bairros insalubres e desestruturados, nas cidades reféns do tráfico e das milícias, lugares que não conseguimos alcançar, porque a política tem outro nome, se traveste de oportunismo e medo, onde é ainda maior o desafio de multiplicar agentes culturais em espaços e locais em disputa e conflito.

O fato é que vamos vivenciar a experiência da Colônia, ‘tramando’ a travessura da criação, do que e como realizaremos em um lugar de diferentes conflitos, mas de muita esperança e potência criativa e, quem sabe, restabelecer elos históricos e criar vínculos entre o passado o presente e o futuro: Os avós e os seus saberes; os jovens e as suas angústias e alegrias; o exercício da escuta e do encantamento, amalgamando e albem-amando, saberes e fazeres naquela nossa realidade.

Eunápolis, novembro de 2020.