Dez ano depois, quais são os Pontos?
“Os pontos de cultura são organismos vivos,
movidos pela alegria do encantamento e pelos desafios locais.
Queira Deus que a vivacidade do movimento, fortaleça as teias dessa rede!”
Em março de 2018 completa dez anos do lançamento do primeiro edital público para a seleção de Pontos de Cultura na Bahia, consequência da descentralização do Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura Minc, no fim do segundo mandato do governo Lula, da qual a Bahia foi pioneira. Em março de 2008 a Secretaria Estadual de Cultura {Secult Ba} – por ocasião de uma Conferência estadual de cultura histórica em Feira de Santana -, anuncia e convoca as entidades a participarem do Edital, seleciona e aprova 150 projetos culturais na Bahia, estimulando assim um movimento nascente de articulação em rede nos 26 territórios baianos de identidade, a partir da cultura. Ao final de 2008, entre encontros de capacitação e ajustes, os Planos de Trabalhos dos Pontos de Cultura aprovados estavam prontos para serem executados.
No mesmo compasso – e sob a batuta da Secult Bahia -, se iniciavam as discussões em torno das políticas públicas de cultura, com enfase nos sistemas estadual e municipais de cultura, à luz das metas do Plano Nacional de Cultura{PNC}. Foi o tempo das conferências estaduais, seguidas das conferências municipais e das articulações setoriais ampliando o leque das discussões a partir das linguagens artísticas, culminando assim na criação e aprovação da Lei Orgânica da Cultura na Bahia. Um belo movimento.
Em meio a tudo isso, junto e misturado e com visível destaque, os Pontos de Cultura ganhavam vitalidade pela sua característica e dinâmica próprias e pelo aporte financeiro nos três anos, de acordo os convênios estabelecidos. Tanto que a Secult Bahia criou uma Coordenação que dura até hoje, específica e atenta, que trata diretamente das demandas dos Pontos, com o objetivo de ajudar nas dúvidas e execução dos projetos, mas também para dá fluidez ao que naquele momento era um movimento que acumulava força política para dialogar com o estado, nos desafios da cultura que viria pela frente. E de fato a rede de Pontos de Cultura na Bahia transitou muito bem nos gabinetes e nas vinculadas da Secult Bahia, criando um modelo organizacional representativo dos 26 territórios de identidade, com a sua coordenação de 08 pessoas G8 que alimentava as discussões e movimentava uma rede diversa, tentando dar respostas às demandas que iam surgindo no processo político cultural.
Desde o seu nascedouro, é que foram já ali detectados quais eram as principais demandas e os entraves, a desafiar a concretização da Rede dos Pontos de Cultura. Manter acesa a chama do encantamento, a magia das expressões culturais locais e equilibrar o alumbramento com as perspectivas que se abriam no campo da política pública de cultura eram partes de um mesmo processo em que se lutava por reais condições para a manutenção das atividades do movimento organizado, cuja missão inicial era: animar as discussões, conhecer aos projetos, articular, visitar os Pontos de Cultura, criar ressonância e tecer a rede. Para isso era preciso ter grana para reunir os 26 representantes periodicamente e os 08 membros da Coordenação mensalmente. Mas estes eram desafios postos, que ainda não encontravam apoios efetivos, ficando muita coisa no discurso do órgão oficial da cultura na Bahia.
Para a Secult, parecia que o problema eram as prestações de contas das entidades proponentes, como se o gargalo fosse administrativo. Havia isso também, mas vale salientar que os Pontos de Cultura e as suas instituições juridicamente constituídas tinham vidas próprias, resistiam como sempre, na tenacidade de suas lutas. Portanto, as realidades e as lutas locais de cada Ponto de Cultura não estava em jogo, as suas experiências históricas, asseguravam os caminhos a seguir. Mas para a Secult o que estava em jogo, na lógica estatal, era o sucesso ou o fracasso dos projetos selecionados, era o cumprimento de sua agenda de execução e a eficácia contábil dos gastos, devidamente comprovados para a receita fazendária. Nada poderia dá errado.
Enquanto que para a rede e seus espaços de articulação e movimento, o sentido estava no reconhecimento da diversidade cultural e nas possibilidades dos encontros, como espaços de trocas de saberes e inspiração real para uma cultura que mostrasse de fato a diversidade baiana, representada nos seus territórios culturais de identidade e que encerrasse de vez, a falida política de balcão e barganha para se obter financiamentos públicos para a cultura. Por isso a insistência em mostrar à Secult que, o problema residia em buscar uma autonomia e independência do movimento, garantir que a Rede de articulação não parasse, nem ficasse refém frente ao dirigismo da secult, vez que ela era quem detinha os recursos da mobilização, enquanto a rede não tinha “um real” para articular uma reunião sequer.
A Secult Bahia na verdade é quem “dizia” quando e onde o movimento deveria se reunir, inclusive interferindo em seus resultados práticos, ao final, resultando em apenas legitimar a política traçada pelo governo estadual no campo da cultura. A Rede tinha a sua voz, mas não detinha o movimento.
É notório que, com os rumos da política pública de cultura na Bahia caminhávamos esperançosos e havia um consenso entre nós, que, por se tratar do atendimento de demandas iniciais, indo de encontro a parte do desejo e anseios de todos, alegrávamos com o alcance de direitos conquistados, nunca pensado antes, sobretudo na Bahia, pelas décadas de ausência de política de cultura tempos atrás.
Evidente que esse direcionamento atual dava-se também em virtude das pessoas militantes que compunham a nova frente de atuação junto ao governo Jaques Wagner. Ou seja, até então estávamos navegando num mesmo rio, apesar de em barcos diferentes.
Os primeiros anos dos Pontos de Cultura daquele edital de 2008 são de troca de experiências contribuitivas e de muitas dificuldades em meio à alegria, nos quais diversos encontros pareciam tecer uma rede segura e duradoura. Cinco anos depois do edital pouco havia de sistematização da experiencia baiana, nem uma avaliação registrada por parte dos sujeitos à frente do movimento, que apontasse coletivamente os desafios, as demandas e as conquistas. Dali em diante começou a dispersão, mesmo com a publicação de um novo edital de seleção para novos Pontos em 2011. Os desgastes provocados pela falta de atendimento às reivindicações do movimento de Pontos de Cultua, a demora em firmar os convênio com os novos Pontos e uma inversão da política de prestação de contas, com mais burocracia, mais papel pra preencher e maiores exigências na apresentação dos Relatórios de atividades foram fatores que criaram desânimos. Contraditoriamente e em confronto direto com a Instrução Normativa da Lei 13.018/14, a Secult criou exigências próprias e adotou práticas uniformes contra as diferentes realidades dos projetos.
Em 2012 a Secult publicou uma revista que mostrava o seu trabalho dedicado aos Pontos de Cultura, apresentando positivamente os números e dados dos projetos de Pontos de Cultura na Bahia. As informações nessa revista foca mais em índices e gráficos do que em avaliação, estudo ou opiniões dos ponteiros, por exemplo. Muito embora em sua nota de abertura da Revista Pontos de Cultura na Bahia, 2011, Albino Rubim, secretario à época, afirma categoricamente que “O encantamento natural com as potencialidades dos Pontos de Cultura não pode ser exagerado, nem deve impedir uma vigorosa e qualificada reflexão crítica sobre ele. A abertura de espaços para a discussão e reflexão se torna essencial. A pretendida conjunção entre dispersão territorial e variedade de atores concretiza-se na sua articulação através de uma teia de encontros e redes. Emerge aqui outro dispositivo da contemporaneidade do Programa. Ele busca inibir guetos auto suficientes, isolados culturalmente, tão prejudiciais à criação e convivência, e potencializar in-terlocuções políticas e culturais, sem as quais não se produz um clima propício e estimulante para o desenvolvimento da cultura.”
Portanto existe a necessidade de qualificar a critica, mas sobretudo tocar na questão central, que é a tomada de consciência sobre a cultura como um direito, o seu papel na nova sociedade e, principalmente romper com a visão limitada que faz das expressões artísticas o fim em si mesmo.
E mais difícil ainda é ampliar e fortalecer as interlocuções política e culturais, para o bom desenvolvimento da cultura, em contextos reativos e com a maquina estatal fechada e enferrujada pelos seus súditos e beneficiários diretos.
Faltou ao movimento, a rebeldia, creio eu.
O ano 2013 marca um período de avanço da política pública de cultura na Bahia, da aprovação de marcos legais no intuito de criar as condições de melhorias no que se refere aos mecanismos de controle social, de gestão dos recursos financeiros e, principalmente da consolidação de um novo Conselho Estadual de Cultura, mais próximo e mais democraticamente pensado na interlocução com os segmentos culturais do estado. Outra perspectiva foi a possibilidade de implementação de ações para a municipalização da cultura na Bahia. Neste cenário, se não ocorreu mudanças significativas, o que havia ficou estagnado, por força dos interesses{ou desinteresses} no conjunto do governo baiano, dada a dificuldade de entendimentos com os governos municipais, na conjunção de interesses e compreensão das responsabilidades comuns. É certo também que a Secult Bahia desacelerou, devido as mudanças das pessoas na condução da secretaria estadual de cultura, notadamente em meados de 2015 a 2017.
Os Pontos de Cultura em rede perderam força, o movimento altivo tornou-se frágil e a sua voz já não encontrava eco na Secult Bahia, seja pela falta de alternativa para se reunir, gerando desmotivações de quem estava à frente, seja pela mudança de foco dos dirigentes da cultura na Secult Bahia. Para completar o cenário de incertezas, o duro golpe impetrado pela direita no País trouxe a ameaça às conquistas no campo das lutas sociais e culturais e jogou por terra muitos do planos e metas traçados por todos nós.
Entre 2008 até 2013 escrevi textos buscando provocar a discussão entre os companheiros da rede de Pontos de Cultura, sem encontrar muita ressonância. Hoje, passado os dez anos do primeiro edital, me pergunto: quais são os pontos de discussão? Em que base política podemos afirmar as nossas posições e demandas? Como utilizar da Lei Cultura Viva 13.018/14 na Bahia? quais foram os motivos para a Secult Bahia desprezar a rede de Pontos de Cultura?
Dez anos depois, o que temos a dizer?
Quais são os Pontos?
Leia textos anteriores:
http://violadebolso.org.br/2009/09/pontos-de-cultura-na-bahia/
http://violadebolso.org.br/2013/08/pontos-de-cultura-ba-cinco-anos-depois/
http://violadebolso.org.br/2013/10/silencio-dos-pontos-de-cultura-na-bahia/
Sumário Santana,
é ativista cultural do Viola de Bolso.
Eunápolis, março de 2018.
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